Mundial de trail um sonho colorido

Estivemos lá!, vivemos tudo por dentro!, foi épico! 
Quando te roubam um sonho apenas tens que procurar sonhar de outra forma. O meu sonho, bem sabem, era tão simplesmente o de percorrer alguns caminhos deste mundo passada a passada com uma - muito ligeira - fase de suspensão. Mas desde julho passado que tal deixou de ser possível e se a motivação para algumas coisas, como o de escrever neste blogue, foi para o maneta (na verdade deixou de existir para o ... coxo), para outras continua inabalável e a paixão pela corrida essa nunca morrerá. O que vivi ontem em Miranda do Corvo motiva-me a alinhavar estas linhas.
O meu afilhado Luís Semedo - sim, meu afilhado, podem dizê-lo porque de facto fui eu que o descobri, treinei até à adultícia e nunca o julguei por ser assim ou ser assado - vem calando quem julga saber como se fazem as coisas e chegou, por mérito próprio e cumprindo critérios de qualificação objetivos, à selecção para o Campeonato do Mundo de Trail de 2019 que se celebrou, ontem, em Portugal (Miranda do Corvo), numa ligeira adaptação, mais adocicada e mais amena - na temperatura - do famoso Trilho dos Abutres, uma das emblemáticas organizações do trail running em Portugal.
Se fosse preciso enfiar-me num avião talvez não me astrevesse mas como a serra da Lousã é logo ali estava fora de questão não estar presente. 4 h 30 salto da cama - nunca me custa levantar mas quando é para o atletismo até tenho molas seja a que horas for -, 5 h 30 já estamos na Oliveirinha, habitual local de encontro da Alcateia ACP e rumo a Miranda do Corvo com uma necessária paragem pelos Fortios.
Antes das oito já estávamos no local da Partida à procura do nosso ídolo. Mas, surpresa das surpresas, quem encontramos primeiro é o Luis Alberto Hernando, tri-campeão e campeão do mundo que vinha defender o seu título. Passou de lado focado no muito que tinha pela frente não tardava nada. Isso é que era bom, - Espera aí pá!-, sai já uma foto com a Alcateia, que a Vitorina até tinha levado a bandeira de Espanha que o Ismael nos trouxera há 3 semanas para colocarmos no Secretariado do UTSM. Estava dado o mote. Imaginam mais algum desporto em que o campeão do mundo em título interaja assim com os fãs uma hora antes de ir defender o seu título?
Empatia absoluta. Foi realmente o mote destes campeonatos. Não haja dúvidas. Nenhum daqueles mais de 400 atletas de quase 60 nações esteve lá para dar menos que tudo e conseguir o máximo para si e para o seu país e nenhum fã deixou de torcer mais pelos seus e pelos do seu país que pelos outros, mas que respeito e que empatia entre todos. Que bonito é o desporto sem pontapés e sem caneladas!
Lá encontramos o Luís. O primeiro a encontrá-lo foi a sua Helena. Justo! -Como está? -Ali atrás numa pilha de nervos! -Vamos lá acalmar o homem! Quando nos viu com uma camisolita com a sua fotografia com os dizeres Força Semedo! Força Portugal! que mandáramos produzir ao José Reis na Loading em segredo não sei se se aliviou se se enervou ainda mais. Uma coisa é certa, o processo de oxigenação foi interrompido e cada um deu-lhe o seu conselho. Também lhe dei o meu, aliás, repeti. Não sei se fez mais caso dele que do de outros que lhe tenham dito coisa diferente, confirmou-me que não dormira - o que eu já calculava, mas também os marinheiros íam para as Descobertas após uma noite de vigília, não seria isso que o iria afectar mais que a outros. Aliás daquela gente provavelmente o stresse pré evento tinha tido efeito semelhante em muitos. Nunca o teve na minha Maria que dormiu sempre que nem uma pedra fosse qual fosse a importância da competição em que alinhasse. Eu ficava acordado a rezar por ela!
9 h a Partida! Que ambiente! Posicionámo-nos com bastante antecedência a 20 m da Partida com as duas bandeiras que viriam a ficar famosas, uma de Portugal (eu), outra de Espanha (a Vitorina), com duas fitas do UTSM no topo. Os pobres - que não de espírito - são assim, constantemente inventam formas de afirmar os seus projetos. Pessoas perguntavam-nos: - Mas, a bandeira de Espanha!? - Sim, a bandeira de Espanha, somos cidadãos do mundo e, sobretudo, lobos ibéricos! Fizemos a festa, impelimos outros a fazer a festa, a garganta já não andavam boa, acabámos por ficar praticamente afónicos.
Dada a Partida toca a correr para os carros. Tínhamos estudado o percurso e o primeiro apoio moral seria dado em Vila Nova, aos 7 dos 44 Km do evento, ainda a procissão iria no adro. O Maurício soprava na vuvuzela, no local encontravam-se mais amigos de todo o lado, nomeadamente de Barbacena e de Nisa, uns correriam no dia seguinte a prova aberta dos Abutres, outros foram lá como nós só para incentivar! Lá fiz o primeiro direto que quem está longe gosta de sentir os ambientes. O suiço Mathys passa isolado e o Luís passa em 37º com 13,42 Km/h de média. Andava-se bem no mundial. Os abutres que esperassem que estas gazelas vindas dos 5 cantos do mundo não se iriam deixar apanhar. Aguardámos as meninas, nomeadamente a Cristina Couceiro e a Sara Brito, que também queríamos acompanhar e ala que se faz tarde rumo à icónica Senhora da Piedade. Não estávamos preparados para o que íamos encontrar.
Logo na sinuosoa estrada para lá chegar e na dificuldade em estacionar antevimos algo. O acesso mau porque o PAC estava vedado ao público e torneámos por quase trilhos até à famosa escadaria. A malta dizia: - O Míster anda a treinar às escondidas! (Sabe Deus ...)  Ouvia-se um clamor de estádio da Luz em dia de jogo do glorioso. Chegados lá: ohh! Mas enganámo-nos? É o rali de Portugal? O Pedro da Costa bem que nos fora incentivando a tornar o evento épico mas decerto não imaginara o sucesso! Literalmente milhares de pessoas faziam levitar os atletas por aquela escadaria acima e o bruááááááá era qualquer coisa. Quando passaram os 18 portugueses - 9 homens e 9 mulheres - da nossa equipa então foi o delírio. Fiz um filme da sua passagem e confesso que quase me passei com um Segurança que tinha ali sido posto, sem me conhecer e sem saber que sei ir de um lado para o outro sem prejudicar ninguém, resolveu embirrar comigo. Olhei bem para o gajo, pareceu-me mais novo e cheio de músculos, aparentava não coxear e ... afastei-me! Afastei-me e afastámo-nos. A ideia era seguir para as Mestrinhas aos 29 Km mas o trânsito estava caótico e corriam rumores que a GNR cortara mais estradas que as inicialmente previstas para evitar o caos. Ala para Miranda do Corvo que o estômago já resmungava.
Em Miranda do Corvo preparámos a chegada. Petisco partilhado que lobo não viaja sem uma arca cheia de bejecas, 1 ou 2 garrafas de tinto, um pernil de presunto e rebuçados de ovos da Paula Maurício (esta última parte é ficção, meti-a aqui só para referir a Paula e os seus deliciosos rebuçadinhos de ovos :) ). Abancámos, comemos, gargalhámos e fomos para a Alameda das Moitas para mais 2 h de espetáculo, a chegada à Meta dos concorrentes. Já estava composta e acabámos por montar arraiais na curva que a antecedia. Local estratégico que se viria a revelar como perfeito para a grande viagem das nossas bandeiras, a de Portugal, que empunhei, e a de Espanha, que empunhava a Vitorina. Fomos fazendo a festa, tendo conhecimento que o Luís perdera 18 posições entre a Senhora da Piedade e a Barragem e era agora 72º, ainda faltava tanto, ai que se lhe acabou a energia, este desfecho é que não desejávamos. Mas não, tudo se vai recompor quando as descidas recomeçarem ... Descidas e Tamang na mira fazem o Luís disparar! :)
Na Meta o festival foi contínuo e ao anúncio da fabulosa recuperação do Hélio Fumo e da sua chegada TOP10 a assistência foi ao rubro e nós também. O Hélio descreve a curva por fora, aproxima-se de mim num ápice e sinto um contacto. Primeiro pensamento: ah estúpido, não é que o segurança tinha razão e estás aqui feito parvo a incomodar a progressão dos concorrentes com o raio da bandeira descomunal!? Nada disso. O Hélio Fumo arrancara-ma da mão e iria fazer toda a reta da meta em apoteose e atravessá-la com a minha bandeira que levava no topo uma fita do UTSM presa! Que show de marketing. Esta jogada ultrapassou tudo o que pudéssemos imaginar. Não terminara contudo o aproveitamento do nosso sábio posicionamento estratégico! O espanhol Alberto Pujol que terminou 22º agarra na bandeira de Espanha que a Vitorina empunhava e leva-a até à Meta também! Nunca estaremos num mundial enquanto atletas mas as nossas bandeiras quase classificavam equipa para ir ao pódio!
Remate final para assinalar uma inesquecível jornada. O Luís Semedo voltaria a recuperar no final para terminar 63.º com 4 h 07 m 17 s, a 31 m 43 s do inglês vencedor, Jonathan Albon e menos 11 minutos que o vencedor do Trail dos Abutres (prova aberta) hoje, sinal que deu tudo o que tinha e o que não tinha! O dia continuou na Sertã a lanchar à beira rio, com todos entusiasmados a pensar nas suas póprias corridas. Eu não. Eu agora sonho do outra forma. E ontem foi um sonho colorido!
Alcateia ACP com Luis Alberto Hernando
Que experiência viveu o nosso Luís Semedo! (foto Rogério Palmeiro)
Hélio Fumo, 10º do mundo, 1º português mesmo com o peso da nossa - literalmente - bandeira!



Força Semedo! ... mas de barriguinha cheia! :D 

Momentos inesquecíveis para quem vive a vida a sonhar e a ver sonhos concretizados! 

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